"Na medida em que compartilho o meu momento de fazer música com o outro, que eu tenho condições de interagir com o outro, eu sou trazido para fora de mim mesmo, para a realidade".
(Lia Rejane Mendes Barcellos)
Trago essa frase da musicoterapeuta brasileira Lia Rejane Mendes Barcellos, escrita em 2004, para introduzir um assunto importante em Musicoterapia: a conexão entre musicoterapeuta e cliente (vou usar o termo cliente ao longo deste texto, pois entendo "paciente" como algo limitante, alguém que permanece passivo, o que não é o caso na Musicoterapia, conforme veremos).
Há muito se fala (e é sentido, durante o processo terapêutico), que uma sincronia entre musicoterapeuta e cliente se dá conforme o processo avança e os vínculos vão sendo formados. Com o crescente desenvolvimento das tecnologias, essas questões saíram da fala e dos sentimentos para nos provarem, de forma visual, que é isso mesmo o que acontece com os nossos cérebros.
O estudo "'Telling me not to worry…' Hyperscanning and Neural Dynamics of Emotion Processing During Guided Imagery and Music" (“Dizendo-me para não me preocupar ...” Hiperscanning e dinâmica neural do processamento de emoções durante o Método de Imaginação Guiada e Música - GIM), conduzido por Jörg C. Fachner e colegas, publicado na Frontiers in Psychology (2019), objetivou analisar como as emoções e as imagens são compartilhadas, processadas e reconhecidas durante o GIM. Os autores mediram a atividade cerebral do terapeuta e do cliente com dual-EEG em uma sessão de terapia real.
De maneira geral, os resultados indicaram que as emoções do musicoterapeuta e do cliente não foram positivas (o tema da sessão envolvia a potencial morte de familiares), prazerosas ou relaxadas quando comparadas ao estado de repouso, confirmando que ambos lidavam com emoções negativas e ansiosas que deveriam ser contidas no processo interpessoal. No entanto, foram verificadas mudanças emocionais durante momentos importantes e pessoalmente significativos; por exemplo, durante recebimento de mensagem de esperança, foi observado um aumento da assimetria alfa frontal, refletindo um aumento do processamento emocional positivo, tanto no musicoterapeuta, quanto no cliente, acontecendo um processamento emocional semelhante nos dois.
Investigar a interação momento a momento na Musicoterapia mostrou altos e baixos referente ao processamento emocional durante o processo terapêutico, além de fornecer dados relevantes com relação à relação terapêutica e à sincronia observada com relação ao processamento emocional. Os autores ainda afirmam que embora este seja um estudo de caso exploratório e os resultados precisem ser interpretados com cautela, eles acreditam que a abordagem metodológica de combinar dual-EEG e dados qualitativos e baseados em vídeo detalhados da sessão é uma abordagem promissora para pesquisas futuras neste domínio, colaborando para a indicação de quais intervenções são mais eficazes de acordo com o quadro clínico do cliente.
O GIM é um método de Musicoterapia receptiva, onde o cliente não interage tocando instrumentos, criando e improvisando, porém, como demonstrado na referida pesquisa, não existe passividade. Tanto cliente quanto musicoterapeuta entram em sincronia, com a música como mediadora e condutora do processo terapêutico.
Espero que essa pesquisa seja o início de uma busca por um maior entendimento sobre como a Musicoterapia afeta o cliente, e também o musicoterapeuta. Os dados apresentados por Fachner e colegas me geraram diversos questionamentos, como: quantos pacientes é seguro atender em um dia? Qual o efeito colateral para o musicoterapeuta? Seria a Musicoterapia altamente indicada para os próprios musicoterapeutas, no sentido de "recalibrar" as emoções?
Que nós, musicoterapeutas, devemos fazer terapia e supervisão, não é novidade, mas certamente a tecnologia nos trará ainda mais elucidações acerca não apenas das melhores práticas em Musicoterapia, mas também com relação aos seus efeitos iatrogênicos (efeitos adversos provenientes do tratamento).
Referência
Fachner JC, Maidhof C, Grocke D, Nygaard Pedersen I, Trondalen G, Tucek G and Bonde LO (2019) “Telling me not to worry…” Hyperscanning and Neural Dynamics of Emotion Processing During Guided Imagery and Music. Front. Psychol. 10:1561. doi: 10.3389/fpsyg.2019.01561
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