Recentemente li o livro O Olho Mais Azul, escrito por Toni Morrison (vencedora do Prêmio Pulitzer - 1988 - e do Nobel de Literatura - 1993), publicado no ano de 1970. O livro trata sobre racismo e desigualdade de uma forma contundente, ataca-nos em nossos mais profundos sentimentos e entendimentos de sociedade, de vida, de direitos, de diversidade.
A história, entrecortada, passa na cidade de Lorain (Ohio, EUA) no ano de 1941. Ela segue a vida e a luta de diversas personagens, começando pelo fim, pelo trágico destino de Pecola Breedlove, uma garotinha negra, pobre e tida como feia. Ela possuía um sonho, sobre o qual orava e pedia com toda a força do seu ser: ter os olhos mais azuis que já foram vistos, pois este é um sinal de beleza e de aceitação.
São 200 páginas viscerais, onde a autora nos transporta a um tempo não tão antigo, em que a cor da pele e a condição socioeconômica são uma passagem só de ida para um destino determinado. Violência, abuso sexual, hipocrisia de um lado, e por outro o sofrimento, a luta por sobrevivência e os sonhos muitas vezes intangíveis mostram duas faces da moeda, duas faces de personagens que sofrem, e causam sofrimento.
Este livro, um romance que apesar de fictício é, infelizmente, histórico e contemporâneo, fez-me pensar em como tratamos as crianças, em como tratamos aqueles que identificamos como diferentes de nós mesmos. As personagens do livro iniciam suas vidas cheias de sonhos e possibilidades, mas um ambiente hostil, falta de afeto, cuidado, segurança, comida, roupas... todas essas intempéries os levam aos seus tristes destinos. Quando adultos, após anos tentando se defender, vivendo acuados, ecoam o mal que sofreram, repetindo os erros que foram cometidos com eles próprios.
A própria autora afirma, no posfácio, que essas histórias não são a regra dos lares de pessoas negras, mas que estão presentes em uma parcela grandiosa da população. É impossível não ser afetada pela atualidade de todas as questões que ali são trazidas, em como avançamos pouco no cuidado, na educação, na saúde (mental). Precisamos mudar a forma como cuidamos das crianças, para que elas não continuem ecoando a violência, para que elas tenham a chance de perseguir seus sonhos, de se desenvolver de forma digna, independente da cor, da aparência ou se são neurodiversas.
Enquanto escrevo essas linhas, ainda estamos tentando superar a pandemia do Coronavírus, e é assustadora a quantidade de situações de violência e abuso agravadas pelo isolamento social. A pandemia evidenciou de forma excruciante a necessidade urgente de uma reforma nas bases da nossa sociedade, em como tratamos uns aos outros e, de forma mais intensa, como tratamos nossas crianças.
Não me sinto confiante em falar sobre o racismo, pois sou branca e nunca vivenciei essa forma de opressão. Mas leio livros de autores (e autoras) negros, estudo sobre esse absurdo (não consigo qualificar de outra forma), a fim de me policiar e mudar meus paradigmas. Livros como as de Toni Morrison são belos por sua escrita, por sua arte, e nos fazem refletir sobre a sociedade. São um prato cheio para o entretenimento e para a cultivação da consciência.